segunda-feira, 27 de março de 2017

Casos de Bruno e Guilherme de Pádua geram debate sobre ressocialização de presos

Para especialistas, quebra de valores é um dos motivos do repúdio da sociedade


RIO- Em menos de uma semana, duas notícias provocaram polêmica entre os brasileiros. No dia 10 de março, o time de futebol Boa Esporte, de Varginha (MG), anunciou a contratação do goleiro Bruno, que deixou a prisão após cumprir seis anos da pena de 22 anos e três meses estabelecida pela Justiça por sua suposta ligação com a morte de sua ex-namorada, Eliza Samúdio. A imagem do jogador posando para fotos e dando autógrafos a crianças causou ainda mais discussão. Quatro dias depois, o ex-detento Guilherme de Pádua, condenado pelo assassinato da atriz Daniella Perez, trocou alianças com Juliana Lacerda em um cartório de Belo Horizonte. A volta de ambos à vida social, ao menos em parte — Bruno ainda recorre da sentença —, promoveu longos debates a respeito da ressocialização de egressos do sistema penitenciário.

 Especialistas no tema apontam que grande parte da população brasileira não está pronta para a reinserção dessas pessoas e espera que os criminosos “desapareçam”. A quebra de valores morais e a solidariedade com os familiares da vítima estão entre os fatores que causam o sentimento de repulsa.— As pessoas normalmente reagem muito mal a qualquer agressão aos valores da sociedade, seja do ponto de vista religioso ou penal. Há um preconceito social. A pessoa cometeu crime, foi punida e depois de algum tempo ela vai ter que sair, mas em geral a população reage mal e fica sempre lembrando que aquele cara cometeu um homicídio — afirma o psiquiatra forense Talvane de Moraes. — Quando a população fica sabendo do crime, sofre com a notícia, se condói da vítima, se solidariza com a família. É natural, mas precisamos trabalhar para que a sociedade aceite pessoas que pagaram pelo erro.
 O goleiro Bruno foi condenado em primeira instância pelo envolvimento na morte de Eliza Samúdio, mas a defesa do acusado recorreu à segunda instância e, até o momento, a Justiça não proferiu nova decisão sobre o caso. Por isso, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu conceder habeas corpus para que Bruno recorra da sentença em liberdade. O ex-ator Guilherme de Pádua que, em 1992 — junto com sua ex-mulher Paula Thomaz —, assassinou a facadas a atriz Daniella Perez, foi condenado na época a 19 anos de prisão e ficou preso por seis anos.
 Nesses casos específicos, a barbaridade dos crimes pode compor a lista de fatores que impulsionaram a aversão da sociedade a seus autores. A socióloga Julita Lemgruber, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, da Universidade Cândido Mendes, sublinha que a morosidade da Justiça, que faz com que um detento fique anos sem uma sentença definitiva, gera na população a sensação de impunidade.
— O estigma de ex-criminoso persegue essas pessoas. No caso do Bruno, ele é acusado de participar de uma morte em que houve esquartejamento. É muito emblemático. As pessoas ficam chocadas pensando que ele ficou meia dúzia de anos e já saiu, mas ele não pode ficar preso indefinidamente aguardando julgamento. Os advogados se valeram de um recurso legítimo — analisa. — Se ele tivesse cumprido sua pena, acho que talvez a reação não fosse essa. Acredito que parte da reação tem a ver com a sensação que foi provocada de que o crime ficou impune.
Outra questão que, segundo Julita, intensifica a discussão em torno do caso do goleiro Bruno, é o receio de que ele volte a ser um ídolo.
— A repercussão também está relacionada à preocupação com a idolatria. Há determinadas profissões que estimulam uma admiração cega. O jogador atrai uma admiração que tem a ver com o imaginário do brasileiro, então é como se esse sentimento apagasse da memória o crime pelo qual a pessoa foi acusada.
NOVA CHANCE É EXCEÇÃO
Assim como Bruno e Guilherme de Pádua, Samuel Lourenço, 30 anos, respondeu na Justiça por um homicídio: aos 20 anos ele assassinou a amante do amigo a facadas. Após cumprir seis anos de pena em regime fechado, três no semiaberto e um no aberto, Lourenço vive agora em liberdade condicional. Aluno do sexto período de Gestão Pública na UFRJ, ele também trabalha em um escritório de advocacia, mas afirma que a ressocialização é uma realidade distante.
— Não é tão fácil assim. O goleiro Bruno recebeu (proposta de emprego). Você encontra uns e outros que recebem, mas em geral os presos ficam sem trabalho. Eu posso apontar pelo menos 15 amigos que têm dificuldade com questão de trabalho. (Receber propostas) não é regra, é exceção. Seria maravilhoso para a gente que todos os egressos saíssem e tivessem oportunidades — opina Lourenço. — Por eu ter sido preso, fiquei super feliz quando vi que Bruno arrumou um trabalho de imediato. É hora da retomada da vida. Assim como fico feliz quando vejo que Suzane (von Richthofen) quer estudar. Depois do crime, teve condenação, teve recurso. Mas as pessoas ficam ligadas diretamente com o crime.
Coordenador de Defesa Criminal da Defensoria Pública do Rio, Emanuel Queiroz afirma que além do preconceito, os egressos esbarram em questões burocráticas.
— A sociedade prefere que os criminosos desapareçam na cadeia e nunca mais retornem. Estima-se que 5% do efetivo carcerário do estado não têm registro de nascimento. Quando são presas e condenadas, essas pessoas têm o direito político suspenso, então não podem se inscrever para ter o título de eleitor. Mas precisam dele para ter CPF e de CPF para ter carteira de trabalho.
Embora tenha cumprido grande parte de sua pena e esteja estudando e trabalhando, Samuel Lourenço afirma que a receptividade encontrada por ex-detentos famosos em algumas pessoas, muitas vezes, não acontece com quem é anônimo. Revelar seu passado mesmo entre os colegas universitários não foi confortável.
— Ser famoso está relacionado às pessoas conhecerem um pouco da sua história. Essa é uma dificuldade da prisão para quem não tem uma exposição midiática: as pessoas só te conhecem a partir de um crime. O fato de algumas pessoas muitas vezes apoiarem o Bruno e não apoiarem outros presos está relacionado a não conhecerem a história (dos outros) — argumenta Lourenço. — A gente prefere reconhecer o cara pós-cárcere como um criminoso. Eu sou um cara que as pessoas querem que amarre num poste. Então, chegar na universidade é um grande desafio.

Fonte e créditos: http://oglobo.globo.com

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